Na primeira mesa do domingo
(30/07), as escritoras Ana Miranda e Maria Valéria Rezende ocuparam o palco do
Auditório da Praça e contaram como se aproximaram do universo da escrita,
relembraram passagens marcantes da infância e sobre o fato de também escreverem
para o público infantojuvenil. As autoras falaram também sobre o poder da
fabulação nos livros destinados às crianças.
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O público prestigiou as diversas atividades da 15ª edição da Flip |
A mesa "Amadas" reuniu
as escritoras negras Conceição Evaristo e Ana Maria Gonçalves, que falaram de
representatividade, mitos religiosos e produção literária. Mestre e doutora em
literatura, Conceição pontuou: "Quero escrever um texto que se aproxime o
máximo possível de uma linguagem oralizada, aproximá-lo da língua viva do
cotidiano".
Encerrando a 15a Festa Literária
Internacional de Paraty, a já estabelecida "Mesa de Cabeceira" reuniu
autores que participaram de conversas no decorrer da semana, apresentados pela
presidente da Flip, Liz Calder. Alberto Mussi, Ana Miranda, Djaimilia Pereira
de Almeida, Patrick Deville, Paul Beatty, Scholastique Mukasonga e William
Finnegan. Os escritores foram convidados a fazer leitura de trechos de seus
livros favoritos.
A 15ª edição da Flip terminou com
literatura e celebração coletiva, espírito que permeou os cinco dias de festa.
A escrevivência de Conceição Evaristo e a
visibilidade negra na literatura
“Quando o negro se sente
representado em um festival, quebra o estereótipo de que negro não lê, não
comparece a eventos literários”: assim começou Conceição Evaristo – premiada
escritora, vencedora de um Jabuti, além de mestre e doutora em literatura e um
dos principais nomes da memória negra brasileira. Intitulada “Amadas”, a mesa
trouxe ao palco da Flip uma conversa entre Conceição e a também escritora Ana
Maria Gonçalves, que dá palestras sobre a questão racial, tema principal da
conversa no Auditório da Matriz, na penúltima mesa da 15ª edição.
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As escritoras Conceição Evaristo, vencedora de um Jabuti, e Ana Maria Gonçalves |
Conceição falou da importância de
escritoras negras ocuparem mais e mais espaços de visibilidade, e disse que a
conquista resulta de uma força coletiva, especialmente das mulheres. Comentou a
forma como os negros são retratados na literatura - de “maneira rasa” - e sobre
como as mulheres negras não possuem “fecundidade” nos livros. Ao explicar seu
ponto, Conceição comentou que, na mitologia cristã, Eva é a mulher que
representa a perdição da humanidade, enquanto Nossa Senhora simboliza a
salvação, dada por meio da maternidade. “Se nós vivemos sob a orientação desse
mito, me pergunto se a negação da mulher negra fecundante na literatura
brasileira não é uma negação das matrizes africanas em nossa nacionalidade”.
Conceição recorreu a mais um
simbolismo religioso para contextualizar questões de silenciamento do povo
negro. Devota de Anastácia, cultuada como santa nas religiões afro-brasileiras,
explica a imagem da negra escrava amordaçada. “Aquela máscara de Anastácia
simboliza o silêncio. Mas acho que reverbera em grito. Nós, o povo dominado,
aprendemos a falar por trás da máscara, e estilhaçamos a máscara. A grande
simbologia disso é estar aqui rompendo ela, na Flip.” A escritora fez um
agradecimento especial à curadora, Joselia Aguiar, por sua sensibilidade em
trazer a temática negra para o centro do debate.
Atravessada por falas de afeto e
resistência, Ana Maria perguntou a Conceição como amar em tempos tão difíceis,
especialmente para os negros. “Tem um projeto histórico de nos apartarmos uns
dos outros. […] Os laços afetivos nos permitem sobreviver nessa sociedade.
Amamos e nos damos, nos damos e amamos”.
Em dado momento, pontuou a
dificuldade das mulheres negras em publicar livros. “Nunca nos dão a
competência da arte literária. Há um imaginário de que dançamos, cozinhamos,
cuidamos bem de uma casa. Somos sim capazes de lavar, de passar, mas também de
dar aula, de exercer a medicina, de sermos políticas, de sermos professoras, de
sermos escritoras”, ressaltou ela, que inclusive trabalhou como educadora no
bairro do Caju (RJ), na década de 1970.
Termo criado por Conceição,
escrevivências define a escrita marcada por suas experiências como mulher
negra. E acrescentou: "Quero escrever um texto que se aproxime o máximo
possível de uma linguagem oralizada, aproximá-lo da língua viva do cotidiano".
Por fim, falou de suas
referências literárias e musicais, citou Nina Simone, Elza Soares, Angela Davis
e Carolina Maria de Jesus, conhecida sobretudo por Quarto de despejo. Conceição
associou Carolina a Lima Barreto e relatou que a crítica lê a obra da autora
principalmente pelo viés da pobreza e da exclusão. “Isso é esvaziar sua
humanidade, suas angústias, para além da pele e da carência material das
mulheres negras. Carolina me lembra muito Lima Barreto, aquela tristeza e a
certeza de sua potencialidade, que não conseguia ser valorizada. Não tiveram o
lugar que era deles”.
"Livro de cabeceira" reúne os
autores participantes da Flip
Encerrando a 15a Festa Literária
Internacional de Paraty, a já estabelecida Mesa de Cabeceira reuniu autores que
participaram de conversas no decorrer da semana, apresentados pela presidente
da Flip, Liz Calder. Alberto Mussi, Ana Miranda, Djaimilia Pereira de Almeida,
Patrick Deville, Paul Beatty, Scholastique Mukasonga e William Finnegan. Os
escritores são convidados a fazer leitura de seus livros favoritos.
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Os autores da Flip durante a leitura do "Livro de Cabeceira" |
Alberto abriu a sessão, dada em
ordem alfabética, e fez uma introdução à obra que escolheu: “É um dos livros
mais importantes da literatura brasileira, escrita por um indígena mestiço, em
tupi guarani”. Relembrou que o Brasil possui mais de 200 línguas indígenas não
inseridas na cultura nacional. Leu então um extrato de A lenda de Jurupari, de
Ermanno Stradelli e Maximiano José Roberto.
Ana Miranda escolheu ler jovens
autores de sua terra natal, o Ceará, e fez reverberar no Auditório as vozes de
Tercia Montenegro, em extrato de Turismo para Cegos; Jayson Viana Aguiar, autor
de O vermelho do céu; e Pedro Salgueiro, por meio de trecho de Limites.
O capítulo “Um coração simples”,
de Três contos, do francês Gustave Flaubert, foi lido por Djaimilia Pereira de
Almeida. “Ando sempre com este livro. Acho um prodígio absoluto que, em
quarenta páginas, se possa viver a vida inteira de uma mulher”.
Patrick Deville leu as duas
primeiras páginas de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust. Na sequência,
Paul Beatty fez a leitura do início de O homem que era quinta-feira, de GK
Chesterton. Scholastique Mukasonga escolheu Olivier, de Jérôme Garcin, enquanto
William Finnegan recitou versos de dois poetas, Wallace Stevens e Hart Crane,
de Treze maneiras de olhar para um merlo e Viagem I e II, respectivamente.
Chamada em inglês de “Desert Island Books” [Livros para ilhas desertas, em
tradução livre], o título chamou atenção de William: “Tive que rir quando vi o
tema desta sessão, porque, de forma inexplicável, passei grande parte da minha
vida em ilhas desertas, esperando por uma boa onda para surfar. Estar sem livro
enquanto você espera é terrível. Então tive muito tempo para pensar qual livro
gostaria de ter comigo”, dividiu com a plateia.
Fotos: Walter Cordeiro / Divulgação