Em
"As big techs e a guerra total", autor desvenda como gigantes da
tecnologia fornecem dados e IA para operações militares, redefinindo o cenário
geopolítico
O
livro “As big techs e a guerra total” parte de uma questão
que está na ordem do dia — o modo como o desenvolvimento tecnológico e as
plataformas digitais transformam nosso cotidiano, ao moldar nossa forma de
agir, de pensar etc. — e vai além, mostrando como o avanço da inteligência
artificial tem sido incorporado aos interesses militares das grandes potências
(em especial, dos Estados Unidos) para redefinir o cenário das disputas
geopolíticas globais.

Com
uma escrita clara, que explica temas complexos em linguagem acessível, Sérgio
Amadeu convida o leitor a adentrar os bastidores das alianças estratégicas
entre Estados nacionais e as grandes empresas de tecnologia, como Google,
Amazon, Microsoft, Oracle e Palantir, as quais passam a fornecer para as Forças
Armadas não apenas infraestrutura digital e uma infinidade de dados que
possibilitam mapear a população inteira de um território “inimigo”, mas também
algoritmos e sistemas de IA que passam a tomar decisões e definir os alvos com
base em estatísticas.
Fundamentado
em vasta pesquisa e exemplos de fatos históricos recentes, como os sistemas de
IA usados por Israel na Faixa de Gaza, Amadeu denuncia a dataficação como
instrumento de dominação e alerta para a urgência de um debate ético e político
capaz de enfrentar os riscos da fusão entre capitalismo de vigilância e
militarismo digital.
Sobre
o autor
Sérgio
Amadeu da Silveira é sociólogo e doutor em Ciência Política pela
Universidade de São Paulo (USP). É professor associado da Universidade Federal
do ABC (UFABC) e pesquisador do CNPq, com especial interesse no impacto das
novas tecnologias nos processos políticos. Publicou Comunicação digital
e a construção dos commons (Fundação Perseu Abramo, 2007), Tudo
sobre tod@s: Redes digitais, privacidade e venda de dados pessoais (Edições
Sesc, 2017), Democracia e os códigos invisíveis: como os algoritmos
estão modulando comportamentos e escolhas políticas (Edições Sesc,
2019), A sociedade de controle: Manipulação e modulação nas redes
digitais, em coautoria com Joyce Souza e Rodolfo Avelino (Hedra,
2021), Ativismo digital hoje: Política e cultura na era das redes,
em coautoria com Rosemary Segurado e Claudio Penteado (Hedra, 2021) e Como
derrotar o fascismo — em eleições e sempre, em coautoria com Renato Rovai
(Hedra e Veneta, 2022), entre outros livros.
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| Sérgio Amadeu da Silveira |
Trechos
do livro
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Este livro apresenta a análise da história recente de um conjunto de
tecnologias e empresas muito conhecidas. Como buscarei demonstrar, as
tecnologias carregam mais do que ideologias e finalidades econômicas. Hoje em
dia, as tecnologias digitais e a inteligência artificial realmente existem
amparam não apenas a melhoria das nossas experiências cotidianas, mas também a
formação de um cenário de guerra, trazendo riscos e disseminando dispositivos
extremamente perigosos para nossas sociedades.
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O Google está fornecendo tecnologia que ali- menta o primeiro genocídio
impulsionado pela IA”, afirmou Zanoon Nissar, então gerente de pro- gramas da
empresa carro-chefe do Grupo Alpha- bet, em um depoimento para o site No Tech
for Apartheid. Todavia, a crítica de desenvolvedores de software e cientistas
da computação ao envolvimento militar de suas empresas, as big techs, vem de
bem antes do confronto de 2023 no Oriente Médio. Sem dúvida, a mobilização
contra o apoio a ações militares se intensificou com o avanço do extermínio da
população palestina a partir de 2023.
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Como seria possível as mesmas big techs que fazem a mediação
das conversas entre adolescentes e distribuem conteúdos postados em suas redes
sociais se colocarem como espaços neutros diante de contenciosos políticos,
geopolíticos e militares? Como garantir que os dados dos usuários das redes sociais
on-line de um país considerado adversário dos Estados Unidos não sejam
utilizados pela big tech para fins militares e de guerra
psicológica, termo antigo e bem conhecido do cardápio militar? A dataficação
converte a guerra em um sistema tecnocrático, no qual dados e IA são tão
cruciais quanto armas. Isso redefine o poder militar, subordinando-o a interesses
corporativos e criando um cenário de vigilância total e violência automatizada.
As big techs não são intermediárias, mas mediadoras de
relacionamentos sociais e culturais. No epicentro do complexo
militar-industrial-danificado, essas empresas podem privatizar decisões
fundamentais antes definidas pelo corpo político e militar dirigente. Esse novo
extrato das classes dominantes dos Estados Unidos, alguns poucos bilionários do
Vale do Silício, está se aproximando perigosamente da sala de comando militar.
Essas mudanças podem corroer as democracias.
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Há uma grande mudança no complexo militar- industrial. As empresas de armas
entregam seus produtos para as Forças Armadas e não precisam acompanhar o
teatro de operações. Mas não é isso que ocorre com as grandes corporações de
tecnologia. Como as Forças Armadas dependem de volumes gigantescos de dados e
da IA, as big techs estão no centro estratégico da gestão da
guerra. Dito de modo diferente, a dataficação e o grande poder computacional
adotado para o treinamento de modelos de IA e para a realização de inferências
em tempo real levaram as Forças Armadas dos Estados Unidos a depender das
infraestruturas de dados, do provimento de nuvem e dos frameworks das big
techs. Aqui está o ponto de mudança. As empresas do Vale do Silício se
tornaram indispensáveis para a gestão da guerra.