Após receber uma carta de Luyara, de 19 anos, filha da vereadora Marielle
Franco, cruelmente assassinada no dia 14, no Rio de Janeiro, o Papa Francisco
ligou para prestar solidariedade à família da parlamentar. Essa é uma das
atitudes que demonstram a preocupação do pontífice em dar voz e reivindicar a
centralidade aos jovens. No livro Deus é jovem - uma conversa com
Thomas Leoncini, lançado em seis idiomas e publicado no Brasil pela Editora Planeta, o Papa Francisco apresenta reflexões sobre diversos temas, como juventude, sonhos,
fé, sociedade, consumo e poder e indica os jovens como os grandes protagonistas
da história.
Em cerimônia realizada no último dia 23, em Roma, que contou com a presença, entre outras, do coautor
do livro, Thomas Leoncini, do Secretário Geral
Conferência
Episcopal Italiana, Mons. Nunzio Galantino, e de Giancarlo Penza, responsável pelo projeto "Long Live Elderly" na
comunidade de St. Egidio, os convidados debateram o tema central do livro: as
jovens gerações, vistas
como as grandes descartadas de nosso tempo inquieto, e que são segundo o papa o
reflexo da natureza de Deus.
Nos trechos de Deus é jovem lidos pelos participantes, Francisco defende que os jovens são fortes graças a sua singularidade, suas diferenças e sua aparente
fraqueza. "Suas palavras nos ajudam a entender como a idade não tem
importância para compreender os corações dos jovens. Papa Francisco, com esse livro, nos
acorda continuamente", declarou Mons. Nunzio Galantino, Secretário Geral da Conferência Episcopal Italiana
(CEI), que não poupou a própria Igreja Católica: "A instituição também tem sua responsabilidade, não consegue
transmitir aos jovens uma religião fascinante. Eu não entendo por que a igreja deve ser uma coisa
mortalmente entediante. E isso infelizmente acontece por causa dos recentes
episódios negativos de alguns que ocupam os jornais recentes", enfatizou.
Galantino ainda discursou sobre a linguagem usada pelo pontífice na obra. "Uma linguagem totalmente distante
daquela dos documentos oficiais. Ele não se preocupa em seguir uma doutrina perfeita e usa
um estilo de conversa simples, mas ao mesmo tempo profunda e surpreendente. Ele
quer que os assuntos abordados nos pertençam, nos movam, nos abalem". O
Secretário Geral da CEI também falou sobre a profunda conexão entre os jovens e
os idosos defendida no livro. "A primeira parte do livro fala de jovens
profetas e os antigos sonhadores e imagina a vida como um diálogo contínuo e
frutífero entre gerações", disse.
No livro, papa contorna a geração dos pais e foca naquela dos avós e
netos: 'Seus anciãos terão sonhos, seus jovens terão visões', escreve, citando
o livro de Joel. Segundo Francisco, a sociedade moderna decretou duas
categorias de descartáveis: os velhos e os jovens. "Devemos lembrar os
adultos que existem crianças e que há avós que merecem atenção, que merecem ser
visitados e não deixados a sós. Se vocês quiserem alcançar os jovens, façam isso enquanto
caminham, enquanto eles correm. E os jovens vão entender. Se você quiser compreendê-los, ande com eles, eles vão ouvir. E desse
diálogo vai nascer algo frutífero", explicou Galantino.
O papel dos adultos e educadores
No livro, o papa comenta os excessos dos pais. "Os adultos querem
falar como mestres dos jovens de qualquer maneira. Eles querem ser sempre os
professores dos jovens. Não é uma reivindicação apropriada, especialmente desde
quando tem essa reivindicação sem antes apresentar uma premissa interior. Os
adultos deveriam confessar abertamente a responsabilidade de ter deixado às novas gerações um mundo não digno de suas
esperanças e expectativas. As esperanças e expectativas que os jovens merecem. E, ao contrário, ter deixado um
mundo de consumismo, de busca obsessiva pelo poder ", disse Galantino. O
papa também discorre
sobre a arte de governar a si mesmo e governar os outros. "Governar é
servir cada um de nós, cada um dos irmãos que compõem o povo. Não se deve
governar para brincar de Deus, precisamos olhar para baixo para ajudar os
outros, para levantar alguém", disse Galantino, enquanto lia trechos do
livro.
"Bons educadores fazem a si mesmos essa pergunta todos os dias:
tenho hoje o coração aberto o suficiente para que a surpresa possa entrar?
Educar não significa apenas explicar teorias, mas também dialogar para trazer o
pensamento para o coração próprio e dos outros", disse o Secretário Geral da CEI, que destacou a experiência
do papa como professor e diz que "os jovens não gostam de se sentir
comandados. Eles buscam uma autonomia cúmplice que os faz sentir que estão no
comando de si mesmos."
Francisco também fala da responsabilidade dos jovens de olhar uns para
os outros como se fossem uma grande família. "Aqueles poucos que encontram
seu caminho devem se sentir responsáveis por lançar uma mensagem e
ser inspiradores para os outros", disse Galantino, que falou da preocupação do papa
de que o Sínodo deve estar a serviço dos jovens, crentes e mesmo dos não crentes.
"O Sínodo não é um simples ato de atenção para os jovens. É uma
oportunidade para a Igreja ouvir os jovens. Ser infectada por suas profecias,
por sua paixão, por sua capacidade de ousar, por transformar os limites
inevitáveis que existem e torná-los oportunidades. E isso só pode ser ensinado
por jovens. Com esse pouco de inconsciência que faz parte de suas vidas. A igreja deve
fazer isso", declarou Galantino.
Defesa da liberdade de expressão
Constantemente, o Papa Francisco encoraja jovens do mundo todo a
"falar francamente e com total liberdade". Thomas Leonicini comenta
que "ele é o maior revolucionário de nossos tempos, o homem mais corajoso.
O líder religioso mais importante do mundo que decide se dedicar exclusivamente
àqueles que ficaram para trás, os mais frágeis. Que defende que fragilidade não
é motivo de se envergonhar, porque são esses seres que podem construir uma
sociedade diferente".
Falando sobre a experiência de dialogar com o papa durante a escrita do
livro, Leoncini disse que o pontífice o "ensinou o infinito". "Eu entendi aos poucos o nível de humildade e grandeza que esse homem tem.
Falamos sobre o problema dos jovens de se sentirem invisíveis em uma sociedade
hiper conectada, hiper social, hiper socializada, e mesmo assim não se sentirem
vistos. Então perguntei a ele do que ele tinha medo quando era jovem. E ele me
respondeu que temia não ser amado. Esse medo foi superado ao buscar autenticidade,
superando a sociedade da aparência de hoje, aceitando-se pelo que é.".
Leoncini comentou que a total ausência de preconceitos foi o aspecto no
Papa Francisco que mais o chamou atenção. "O papa é um ser política, mas
ele vai além disso. Ele reflete os ensinamentos do evangelho dia e noite porque
acredita fortemente em Jesus Cristo."
Fotos: L'Osservatore Romano